terça-feira, 10 de março de 2009

Ingmar Bergman apresenta: "O Olho do Diabo"


Em algum momento do ano passado comecei a dar os primeiros passos na arte cinematográfica e a partir disso me impus à prazerosa obrigação de assistir três filmes por semana. Toda arte tem em comum o fato de ser um modo pelo qual seu autor se expressa, e percebi após alguns títulos, que com o cinema não seria diferente.


De apreciador de “enlatados” norte-americanos, como qualquer um que só assiste os lançamentos mais divulgados e coisas como “sessão da tarde”, “cinema em casa” e outras incansáveis atrocidades da TV aberta brasileira, consegui chegar a um cinema diferente, belo, inovador, filosófico e essencialmente artístico.

Não direi jamais com isso que deixei de gostar do “cine-coca-cola”, mas abri meu mundo a uma forma nova de ver esta forma artística que tanto desprezava, especialmente devido à experiência de ter feito uma faculdade de arte. A passagem para o entendimento dos filmes como forma de expressão foi lenta. Devo ter começado em meados de 2005, quando a TV futura começou a transmitir excelentes documentários em séries da ZED e da BBC, como o monumental (e gratuito) “Mundo.doc”.

Lembro ter sido numa viajem de retorno do trabalho, em 2007, em dia que se viam no céu dois arco-íris, que uma amiga professora indicou-me alguns títulos de filmes que definitivamente marcaram meu conhecimento sobre cinema. Antes disso eu já tinha assistido “Buena Vista Social Club” e mesmo “Luz de Inverno”, mas ainda não havia em mim qualquer habito por cinema.

O divisor de águas para mim é um filme que minha amiga indicou que coloco como sendo um dos melhores que já assisti até o momento e do qual ainda falarei aqui em especial. Partindo disso, em longas conversas com amigos sobre arte e filosofia, surgiram muitas indicações de mestres como Bergman, Michelangelo, Fellini e Godart.

Como eu já expliquei em outro tópico, alugar três filmes é mais barato na locadora perto de casa, então busquei locar, junto a outros dois títulos mais “fáceis”, sempre um destes “artísticos”. Nunca me arrependi.

Assistir filmes em preto-e-branco era outro desafio, mas superei tranquilamente ao ver “Luz de Inverno”. Após isso posso afirmar que Bergman é o diretor que mais me agrada, de quem assisti mais de dez filmes até agora. Todos são primazias, especialmente “O Sétimo Selo” (1956) e “Persona” (1966).

Bergaman tem um modo peculiar de tratar seus filmes. No geral segue uma regra, um sistema simples que funciona. O grande tesouro não está na ação ou nos efeitos, mas sim (e eu arriscaria dizer que primordialmente) na fotografia, nos atores e personagens, e no contexto artístico-filosófico.

Seus filmes das décadas de 50 e 60 funcionam quase sempre com os mesmos artifícios, questões de questionamento comum: batalhas com Deus, reflexão sobre o inferno e o céu, ingenuidade humana, conceito de tempo, juventude e velhice, doença e prazer... Ele consegue dissecar com primor muitas das perguntas que nos fazemos todos os dias e nos revela que todos se questionam a todo tempo.

Talvez a melhor parte do cinema bergmaniano seja justamente essa: seu auto-questionamento. Situações cotidianas são sempre repetidas em seus filmes, de modo a explicar sua preferência pelos atores e demais profissionais que trabalharam com ele durante muito tempo, sem substituições. Seus cenários algumas vezes são improvisados e em alguns filmes podem se confundir com cenas teatrais. A abordagem da família é uma constante. Exceto em Saraband (uma de suas últimas obras, de 2003) nas demais obras ele retrata a família nos moldes “sugeridos” pelo contexto do início do século, o que me leva a arriscar dizer que se baseou na família que teve durante a infância e juventude: a família dos seus pais.

Em Saraband e mesmo em Sonata de Outono, vemos que ele reflete a experiência de casal após o período da paixão, e não a experiência do jovem com segurança no seu lar. O modo como ele retrata a vivencia familiar é peculiar e muito diferente da família brasileira. São famílias muito fechadas ao modo de viver, participantes de sua pequena aldeia em um pequeno mundo ingênuo e isolado. Imagino ser o modelo da família sueca do início do século, o que justifica a representação das paisagens que ele inclui nas filmagens.

É possível verificar certa frieza em alguns pontos, e muito calor no tocante a sexualidade e ao relacionamento homem-mulher, de modo bem diferente ao que temos por habitual. Em “O Olho do Diabo” (de 1960) penso que ele retrata seu pai como pastor (pois seu pai foi pastor na vida real), e as tentações que deveriam existir na época em que ele não percebia tais situações. A família bergamaniana talvez seja o que tanto nos convida a assistir mais de suas obras, pois se chega a um momento em que nos sentimos “em casa”, aconchegados ao modo de ver do magnífico diretor e até mesmo a pouco habitual linguagem sueca.

Retornando a Curitiba tenho a obrigação de locar ao menos mais uns três títulos do mestre, visto que estou numa cidade que não dispõe de tamanho recurso artístico. Este último filme foi ainda melhor do que esperei, pois conseguiu mostrar em pouquíssimo tempo, situações de conflito familiares, dogmáticos e filosóficos, com um toque de humor (que os atores representam) de modo agradável e muito, mas muito prazeroso. A propósito, outro fator marcante do diretor é usar músicas clássicas, tal como neste filme as maravilhosas e incomparáveis sonatas de Scarlatti tocadas a cravo (só por isso já vale assistir).

Aconselho aos artistas, cineastas ou apreciadores da cultura que gostem, tal como eu, de um bom cinema-arte, com mais “contexto” e menos cores.

Sinópse do Filme

Download (copiado deste blog):

--> Parte 1
--> Parte 2
--> Parte 3
--> Parte 4
--> Parte 5
--> Parte 6
--> Parte 7

--> Legenda

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 

© 2009Luz de Inverno | by TNB